Dia desses eu caí com os dois joelhos no chão. Foi um tombo ridículo, tropecei na escada, perdi o equilíbrio e caí, de quatro — convenhamos que uma posição não tão interessante para se cair. No chão, percebi que me contraí toda, os músculos ficaram rígidos. E obviamente veio a…

O texto foi criado a partir de uma proposta da escrita da Laís Webber “E se a quarentena fosse uma pessoa?”. E como não lembrar e conseguir fugir da única pessoa que anda me acompanhando durante todo esse processo? O texto fala dela, do escuro, das sombras, da Ana. Escuro Desde…

eu não sentia nada minha pele tinha uma casca me sentia oca vazia eu não tava no meu corpo, minha mente ia pra bem longe fugindo do que poderia ter sido o meu maior prazer o talvez virou real furei a casca aprendi a estar comigo mente e corpo lábios e toques batimentos e respiração olhos nos olhos lágrimas escorrendo o prazer passando por todo o meu corpo eu estava ali eu estava cheia eu gozei eu ri finalmente

Tinha um bife no meu prato. Tava ali entre o arroz bem soltinho e o feijão temperado, aquele pedaço suculento com um sumo de sangue escorrendo. A carne estava mal passada, do jeito que eu gostava. Mas, naquele dia, enquanto eu ia comendo, não consegui evitar. A cada garfada ia construindo cada pedaço do animal que estava ali no meu prato. Patas, coxas, peito, costela, rabo, mamas. Uma vaca, malhada preta e branca, ainda sem cabeça. O mais difícil foi imaginar a cara e os olhos que ela tinha. Olhos sempre carregam sentimentos e talvez eu não quisesse encará-los. Coloquei mais um pedaço do bife na minha boca. Tive coragem. Olhei para os olhos. Enfrentei-os. No mesmo instante senti o sangue escorrendo pela minha boca. As garfadas cessaram. Engoli sem forças. Uma lágrima escorreu dos meus olhos.

Tu me chamou de lixo Eu acreditei e por muito tempo Pensei que não valia nada Mas lembrei que lixo aduba o solo Germina sementes Alimenta as plantas Desabrocham flores De lixo virei o adubo que nutre o meu próprio jardim

Dia desses descobri que o cruzeiro do sul que eu via no céu não era o verdadeiro cruzeiro do sul. Foi na beira da praia de floripa, saída de um bloquinho de carnaval bem mais ou menos, numa área onde as luzes ficavam mais distantes, deixando as estrelas mais visíveis…

Para. Chega. Não precisa mais usar palavras tão bonitas pra falar da gente. Eu já saquei. Eu amei por nós dois. Agora é tão óbvio. Eu sei que tu gostou de mim. Mas o teu gostar não foi suficiente pra querer mais, pra ir além. Pra confortar quando foi preciso…

“Os dois estão se usando, relação é isso, Ana”. Quando eu ouvi essa frase veio um desconforto. Ela ficou martelando por dias na minha cabeça. Quando a gente usa uma pessoa? Toda a relação é baseada em um uso? Todo mundo se usa no fim das contas? …

Lugar apertado, sem espaço, não consigo respirar direito. Ao meu lado, milhares que também não conseguem se mexer. Pavor, medo, pânico. Tô cansada, meu corpo dói, queria me deitar, não dá, não tem espaço. Mijo e cago aqui mesmo, azar, tem bosta pra todo lado mesmo. Fui carregada por guindaste, fui jogada aqui. Sei que meu destino vai ser pior. Sinto cheiro de morte. E morro, não pela lei natural da vida, mas porque o homem quis. Ele me quer, ele quer me comer.